A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a International Association for Suicide Prevention (Iaps) instituíram 10 de setembro como o Dia Mundial para Prevenção do Suicídio. Na última quarta-feira (10/9), a OMS divulgou dados do primeiro Relatório Global para Prevenção do Suicídio, revelando que mais de 800 mil pessoas dão fim à própria vida todos os anos no mundo. Ainda de acordo com a OMS, o suicídio é um grande problema de saúde pública e cerca de 75% dos casos ocorrem em países de baixa e média renda. O Brasil é o oitavo país, nas Américas, em número de suicídios. “Tem havido um crescimento expressivo do suicídio no mundo inteiro. No Brasil, a taxa é alarmante porque não se falava abertamente nisso, mas se sabia do problema”, afirmou o pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pùblica (Ensp/Fiocruz) Paulo Amarante. “O mito de que o Brasil é um país alegre não é real. Na verdade, o que está acontecendo é um processo muito grande de individualismo, de disputa, de competitividade e tudo tem a ver, estruturalmente, com as ideias de suicídio. As pessoas se sentem sós em cidades grandes”, ressaltou.
Relatório Global para Prevenção do Suicídio
O relatório aponta que o envenenamento, o enforcamento e o uso de armas de fogo são os métodos mais comuns de suicídio global. “Limitar o acesso a estes meios podem ajudar a evitar que pessoas morram por suicídio. Outra chave para a redução das mortes é um compromisso dos governos nacionais para a criação e implementação de um plano de ação coordenado. Atualmente, apenas 28 países são conhecidos por ter estratégias nacionais de prevenção do suicídio”, diz o alerta da OMS.
O levantamento diz ainda que a cada 40 segundos uma pessoa comete suicídio e o tabu em torno deste tipo de morte impede que famílias e governos abordem a questão abertamente e de forma eficaz. A mortalidade de pessoas com idade entre 70 anos ou mais é maior, de acordo com a pesquisa.
Perfil do suicídio de idosos no Brasil
Com o objetivo de compreender a magnitude e a significância do suicídio na população brasileira acima de 60 anos, pesquisadores do Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Carelli (Claves/Ensp), em parceria com pesquisadores de programas de pós-graduação e serviços de saúde de diversos estados brasileiros, desenvolveram a pesquisa É possível prevenir a antecipação do fim? Suicídio de idosos no Brasil e possibilidades de atuação do setor saúde.
Realizado no período de 2010 a 2012, o trabalho contemplou uma dimensão de magnitude (abordagem epidemiológica) e outra de aprofundamento (abordagem qualitativa psicossocial). Do ponto de vista epidemiológico, abrangeu todos os idosos com 60 anos ou mais que faleceram por suicídio no período de 1980 a 2009 no Brasil.
Nos triênios de 1997–2000 e 2003–2006, 3.039 municípios brasileiros tiveram registros e casos de suicídio de pessoas com mais de 60 anos. Isso corresponde a 54,6% do total de municípios. De 1980 a 2008, as taxas de suicídio na população geral no país passaram de 4,0 em cada 100 mil habitantes para 4,8. Esses índices foram mais ou menos constantes e demonstram uma leve tendência de crescimento. No entanto, o país se mantém entre os que têm menores taxas, segundo os critérios da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Tal crescimento suave – porém consistente – se deve, sobretudo, ao aumento das mortes autoinfligidas na população masculina de todas as idades e, especialmente, na população acima de 60 anos. Dos 50 municípios brasileiros com os índices mais elevados de mortes autoprovocadas entre pessoas acima de 60 anos, 90% estão no Sul. O Norte é a região que apresenta as menores taxas. Constatou-se também que os idosos morrem principalmente em suas próprias residências (51%).
Claves revela preocupação com o problema
Para Maria Cecília Minayo, pesquisadora e coordenadora científica do Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli (Claves/Ensp), o elevado número de pessoas que cometem suicídio no mundo pode assustar porque no Brasil e na América Latina como um todo, a violência que mais mata são os homicídios, mas, no mundo, a violência que mais mata são os suicídios, estando entre as 10 principais causas de óbito, tendo aumentado 60% nos últimos 50 anos.
“As taxas de autoextermínio entre adolescentes e idosos são as que mais tendem a aumentar. Entre os jovens, o suicídio constitui a segunda ou terceira causa de morte em muitos países. Mas os índices de suicídio consumados estão distribuídos desigualmente na população mundial e dentro dos países. Segundo a OMS, os mais elevados se encontram no Leste Europeu (Lituânia, 51,6/100.000; Rússia, 43,1/100.000; Bielorússia, 41,5/100.000 e Estônia, 37,9/100.000)”, destacou a pesquisadora. No Brasil, o caso é diferente. Enquanto os homicídios têm uma taxa de 25/100.000 e o país é considerado um dos 60 mais violentos do mundo, ocupando o 5º lugar na América Latina, depois de Venezuela, Colômbia, El Salvador e Honduras; as taxas de suicídio são consideradas baixas, entre 5.4/100.000 e 5.9/100.000 habitantes.
“Ocupamos o 113º lugar no mundo e oitavo na América Latina em taxas de suicídio. No entanto, há uma questão a se preocupar: dentro país também as taxas são distribuídas desigualmente. São mais baixas no Norte e muito mais alta na região Sul, onde em várias cidades elas se assemelham às da Europa Central (onde as taxas são mais elevadas). Outro ponto importante a ser observado é que as taxas de suicídio masculino estão crescendo, enquanto as taxas de suicídio feminino permanecem estáveis”, afirmou. Para Cecília Minayo, o suicídio pode ser prevenido sim, mas em parte. Ele é sempre um ato voluntário numa situação de extremo sofrimento.
"A OMS publicou um manual de prevenção (Prevenção do suicídio: um manual para profissionais da Saúde em Atenção Primária) importante e feito de forma simples e acessível tanto aos profissionais de saúde como à população. Outros dois materiais também produzido pela Organização são o manual para atendimento clínico e amídia, mostrando como se comportar em casos de suicídio. Além disso, o Ministério da Saúde brasileiro também tem produzido orientações tanto para familiares de pessoas em risco como para profissionais, com ênfase nos profissionais de saúde mental", concluiu a pesquisadora.
Um problema de saúde mental?
“A questão do suicídio está ligada à saúde mental sim. Não é necessariamente uma patologia, uma doença”, é o que diz o coordenador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (Laps/Ensp), Paulo Amarante. O pesquisador da Escola explicou que situações de tristeza, sensação de abandono ou depressão são fatores atenuantes para o problema. “Existem várias situações. Um caso amoroso é algo muito comum para gerar uma tentativa de suicídio, seja um crime passional, seja um crime cometido pela pessoa em desespero”, ressaltou.
Segundo o pesquisador, o grande problema no Brasil para a questão do suicídio é a falta de uma assistência às pessoas que tentam tal ato. Em geral, onde a pessoa é atendida, acaba sendo submetida a situações de constrangimento ou humilhação. “É muito comum ouvir de profissionais de saúde que tentativas de suicídio são falsas ou simples manifestações histéricas. Essa pessoa vai parar numa emergência, é socorrida e acabou. Não há encaminhamento aos Centros de Atenção Psicossocial (Caps)”.
“Na realidade, ninguém orienta que esta pessoa precisa de um cuidado, que está passando por um momento difícil. Pelo contrário, é muito comum a zombaria, o chiste, a brincadeira. Não se leva a sério que a pessoa tentou se matar. É um ato grave. Uns acabam fazendo coisas menos pesadas, como um corte com gilete, que é uma automutilação e isso já é um pensamento suicida. A pessoa que chega ao ponto de fazer um pequeno corte que seja, ou de se jogar de um andar, tomar comprimidos com ideia de morte significa muito sofrimento. Em hipótese alguma ela poderia estar sendo vítima de humilhação, principalmente por profissionais de saúde”, afirmou. O especialista destaca que os Caps são fundamentais neste processo, mas também ambulatórios, centros especializados em psicologia, clínicas psicológicas, entre outros. “É fundamental que a pessoa atendida seja encaminhada para tratamento imediato”.
E antes da tentativa de suicídio, o que pode ser feito? Paulo Amarante relata que muitas pessoas procuram ajuda sim. Vários casos estudados demonstram que antes de tentar o suicídio, a pessoa foi a um médico, a um psicólogo, falou com familiares, procurou ajuda religiosa. Mas que, em geral, acabam não sendo ouvidas. “Existem aqueles que anunciam que vão se matar. Elas falam uma vez, duas, três vezes e não são levadas a sério. A própria família não dá atenção, não fala com elas. E essa conversa pode ajudar muito. Os Centros de Valorização da Vida (CVV) oferecem um excelente trabalho, através de profissionais voluntários, para auxiliar pessoas que estão passando por momentos como esse”, encerrou.
Fonte: Agência Fiocruz Noticias - 11/09/2014
http://www.agencia.fiocruz.br/pesquisadores-comentam-questão-do-suicÃÂdio-no-brasil-partir-de-relatório-da-oms